quinta-feira, 22 de março de 2007

UMA BREVE HISTÓRIA DA PINTURA MODERNA

UMA BREVE HISTÓRIA DA PINTURA MODERNA
Primeira versão

O jato insiste em correr pela vidraça, livrando-a de todo tipo de sujeira contida na manhã nascente: fiapos, asas de coleópteros, o pó falido da noite vencida pelo sol contrito.
A parte externa já rebrilha graças à ação da água cristalina. Por algum tempo, à janela é devolvida a condição de visibilidade ampla, assim como às árvores, por ela vistas, as de borrões pintados, e às colinas distantes, por ela devassáveis, de objetos moldados.
As nuvens voltam a ter um aspecto gráfico, ao menos até que o conflito entre o puro e o impuro, outra vez protelado para o dia seguinte, volte a fazer sentido.


UMA BREVE HISTÓRIA DA PINTURA MODERNA
Segunda versão
a Mark Tansey


Trata-se de um retângulo de concreto armado, estrategicamente posto à frente de algo. É preciso haver um motivo para derrubá-lo e esse motivo não tardará a aparecer para alguém. É claro que, sem um domínio completo da situação, esse alguém encostará a cabeça em sua tessitura pardacenta, passando, então, a fazer força.
Das duas uma: ou a pressão psicológica reduzirá a cabeça a um amontoado de pedaços - sem trazer luz alguma ao ritual - ou, obscurecido pelo descaso e pela impossibilidade a priori da tentativa -, o sujeito sairá de cena, levando consigo sua crença numa presença ou em 'algum lugar lá fora' tridimensional.
De qualquer modo, o retângulo de concreto armado ficará ali, estrategicamente posto à frente de algo, desafiando quem estiver disposto a pagar por ele.


UMA BREVE HISTÓRIA DA PINTURA MODERNA
Terceira versão
a Mark Tansey


Sob hipótese alguma, o animal poderá ser responsabilizado. A galinha é também um ser que observa. Principalmente quando pressente que algo demanda que assim o faça. Reconstituamos a cena: uma pequena rampa, e, ao fundo, alteado por uma caixa de madeira, um espelho oblongo. Pelo caminho, espalhados - apenas para garantir que a experiência seja bem-sucedida - alguns grãos de milho servirão de engodo. Bicando-os ou não, ela subirá a rampa, pois, ali, na posição em que se encontra, descer é um ato impossível.
Cedo esbarrará com o seu próprio reflexo. Após segundos de embaraço, paralisar-se-á, atiçando a imaginação. Mas, então, 'pensará' o que? Que se trata, talvez, de um pôster afixado, pelos granjeiros, em sua homenagem? Transportar-se-á, no caso, para algum lugar fora do espaço-tempo, de certo modo, 'raciocinando' sobre as intenções da experiência? Ou, o que é provável, tudo aquilo lhe parecerá estúpido demais, de modo que, adiante, descendo a rampa, sumirá num matagal - que tampouco possuirá mistérios - apenas por não ter opção?


por Jorge Lúcio de Campos

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