quinta-feira, 22 de março de 2007

EU NÃO TE AMO

Quais as possibilidades de uma coisa assim acontecer na vida real? Uma em cem? Em mim? Uma em um milhão? Milhares de vezes eu me perguntei isso. E me pergunto mais uma vez agora.
Observo através da janela. (os prédios me espiam. Comprimindo-se contra o céu, eles estacionaram do lado de fora da persiana).
Quando meus olhos estacionaram em Estela meu coração palpitou: é paixão certa. Estava certo. Estela desceu a escada sorrindo. Passou por mim.
Atravessou meu olhar. O sorriso e os cumprimentos eram para o amigo Joca. Joca estava ao lado. Do lado de dentro da garganta atravessei na fala.
Gaguejei. Quais as reais possibilidades de uma coisa assim acontecer na vida de alguém? Uma em cem? Em mil? Em um milhão? Milhares de vezes eu disse a mim mesmo: você não devia ter se apaixonado por Estela. Joca nos apresentou.Estela, Carlos.
Carlos, Estela.
Prazer.
Prazer.Estela sorriu. A vida sorriu. Dizer que Estela iluminou minha vida seria abusar do estômago alheio. Mas é isso aí. Minha história com Estela é de provocar vômito. (as persianas instigam meu olhar. Acompanho sua fuga com o canto do olho. O ponto existe ao alcance do braço).
Se eu fosse uma persiana eu fugiria de Estela, do sorriso de Estela, da roupa que Estela veste, do cheiro que Estela esquece em minha roupa, da ausência de Estela que preenche meus papéis em branco.
Quais as probabilidades (sei da existência de leis científicas que regem probabilidades) de uma pessoa se apaixonar à primeira vista? Se ao menos a recíproca não tivesse sido verdadeira eu poderia continuar infeliz. Estela me roubou o direito à infelicidade.Nunca acreditei em amor correspondido, correspondências açucaradas, mel derramado. Sempre quis que formigas roessem o cu dos amantes. Minha solidão, minha dor de ser só era algo enraizado, cuidadosamente cultivado uma vida inteira. Sempre achei de uma pieguice extrema amar e ser amado.
Sou um desgraçado.
Estela me desgraçou.
Me amou de volta. Me olhou, baixou os olhos, sorriu. Voltou a olhar. A mão direita de Estela é absolutamente perfeita.

Estela, Carlos.
Carlos, Estela.
Prazer.Prazer.O filho da puta do Joca nos apresentou.
Dali em diante Estela preencheu os buracos de meus poros. Eu sempre aguardando um deslize, um passo em falso, pra cuspir Estela de minha vida. Estou sufocado com tanta felicidade. Estela atravessada em minha garganta.
Quais as probabilidades (quero saber das estatisticamente comprovadas) de duas pessoas se apaixonarem à primeira vista e continuarem assim depois de três anos? Uma em cem? Em mil? Uma em um milhão? Milhares de vezes tenho me perguntado isso. Não encontro eco.(janela fechada não engole dias).
Cada dia que passa odeio mais o amor que sinto por Estela. Estela é uma cadela. É de uma fidelidade canina. A constelação do Cão Maior traçando minha rota.
Giro em torno do pescoço longo de Estela como uma coleira. Colar de amantes. Colado nos olhos, cabresto. Estela só tem olhos pra mim. E eu tenho olhos para espalhar sobre relógios.Fim de expediente. É hora de voltar para Estela. Ah se deus levasse Estela. Mas até ele Estela evita. Estela não reza. A noite de Estela é só minha.
Serei obrigado a matar Estela.
Apago a luz e volto pra casa.


por Adrienne Myrtes

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