terça-feira, 20 de março de 2007

PLEBISCITO

"Plebiscito"
A cena passa-se em 1890. A família est toda reunida na sala de jantar. O senhor Rodrigues palita os dentes, repimpado numa cadeira de balan‡o. Acabou de comer como um abade. Dona Bernardina, sua esposa, est muito entretida a limpar a gaiola de um can rio belga. Os pequenos são dois, um menino e uma menina. Ela distrai-se a olhar para o can rio. Ele, encostado … mesa, os p‚s cruzados, lˆ com muita aten‡ão uma das nossas folhas di rias. Silˆncio. De repente, o menino levanta a cabe‡a e pergunta: - Papai, o que ‚ plebiscito? O senhor Rodrigues fecha os olhos imediatamente para fingir que dorme. O pequeno insiste: - Papai? Pausa: - Papai? Dona Bernardina interv‚m: - O seu Rodrigues, Manduca est lhe chamando. Não durma depois do jantar que lhe faz mal. O senhor Rodrigues não tem rem‚dio senão abrir os olhos. - Que ‚? Que desejam vocˆs? - Eu queria que papai me dissesse o que ‚ plebiscito. - Ora essa, rapaz! Então tu vais fazer doze anos e não sabes ainda o que ‚ plebiscito? - Se soubesse não perguntava. O senhor Rodrigues volta-se para dona Bernardina, que continua muito ocupada com a gaiola: - O senhora, o pequeno não sabe o que ‚ plebiscito! - Não admira que ele não saiba, porque eu tamb‚m não sei. - Que me diz?! Pois a senhora não sabe o que ‚ plebiscito? - Nem eu, nem vocˆ, aqui em casa ningu‚m sabe o que ‚ plebiscito. - Ningu‚m alto l ! Creio que tenho dado provas de não ser nenhum ignorante! - A sua cara não me engana. Vocˆ ‚ muito prosa. Vamos: se sabe, diga o que ‚ plebiscito! Então? A gente est esperando! Diga! - A senhora o que quer ‚ enfezar-me! - Mas, homem de Deus, para que vocˆ não h de confessar que não sabe? Não ‚ nenhuma vergonha ignorar qualquer palavra. J outro dia foi a mesma coisa quando Manduca lhe perguntou o que era prolet rio. Vocˆ falou, e o menino ficou sem saber! - Prolet rio, acudiu o senhor Rodrigues, ‚ o cidadão pobre que vive do trabalho mal remunerado. - Sim, agora sabe porque foi ao dicion rio; mas dou-lhe um doce, se me disser o que ‚ plebiscito sem se arredar dessa cadeira! - Que gostinho tem a senhora em tornar-me rid¡culo na presen‡a destas crian‡as! - Oh! Rid¡culo ‚ vocˆ mesmo quem se faz. Seria tão simples dizer: - Não sei, Manduca, não sei o que ‚ plebiscito; vai buscar o dicion rio, meu filho. O senhor Rodrigues ergue-se de um ¡mpeto e brada: - Mas eu sei! - Pois se sabe, diga! - Não digo para me não humilhar diante de meus filhos! Não dou o bra‡o a torcer! Quero conservar a for‡a moral que devo ter nesta casa! V para o diabo! E o senhor Rodrigues, exasperad¡ssimo, nervoso, deixa a sala de jantar e vai para o seu quarto, batendo violentamente a porta. No quarto havia o que ele mais precisava naquela ocasião: algumas gotas de gua de flor de laranja e um dicion rio... A menina toma a palavra: - Coitado do papai! Zangou-se logo depois do jantar! Dizem que ‚ tão perigoso! - Não fosse tolo - observa D. Bernardina - e confessasse francamente que não sabia o que ‚ plebiscito! - Pois sim - acode Manduca, muito pesaroso por ter sido o causador involunt rio de toda aquela discussão; - pois sim, mamãe; chame papai e fa‡am as pazes. - Sim, sim, fa‡am as pazes! - Diz a menina em tom meigo e suplicante. - Que tolice! Duas pessoas que se estimam tanto zangarem-se por causa do plebiscito! Dona Bernardina d um beijo na filha, e vai bater … porta do quarto: - Seu Rodrigues, venh sentar-se; não vale a pena zangar-se por tão pouco. O negociante esperava a deixa. A porta abre-se imediatamente. Ele entra, atravessa a casa, e vai sentar-se na cadeira de balan‡o. -  boa - brada o senhor Rodrigues depois de largo silˆncio -  muito boa! Eu, eu ignorar a significa‡ão da palavra plebiscito! Eu!.. A mulher e os filhos aproximam-se dele. O homem continua num tom profundamente dogm tico: - Plebiscito... E olha para todos os lados a ver se h por ali mais algu‚m que possa aproveitar a li‡ão. - Plebiscito ‚ uma lei decretada pelo povo romano, estabelecido em com¡cios. - Ah! - suspiram todos, aliviados. - Uma lei romana, percebem! E querem introduz¡-la no Brasil!  mais um estrangeirismo!...


por artur azevedo

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