terça-feira, 20 de março de 2007

NINGUÉM É POETA POR ACASO

Os primeiros poemas são lavras mínimas. Talvez até odes avulsas. Quando o poeta aprendiz pega o manejo daquilo que se lhe é íntimo, vira arauto pós-moderno e, no fazer poético propriamente dito, interpreta a alma das coisas, traduz o indizível, lastra-se por atacado, errando mãos e tecendo o indefinido.
Sensível pela própria natureza. Como poesia não é necessariamente rima, métrica, mas a Poesia mesmo, em si, com bilros e rocas, ele vai, feito singer íntimo, compondo versos do ser de si, ora verde, ora na moenda do Sentir, tocando o sagrado, porque arte é coisa espiritual, fogueiras de vaidades a parte.
Assim, tenho para comigo, que Poeta simplesmente É. E isso por si só já é muito. Enluos, ninhais, encantários.
Mais as sofrências do desdizer, gracezas, tristices pegajentas como se tivesse o dom-direito de sentir primeiro, sofrer mais, carregar o mundo nas costas. E ele, o mundo, como disse Drumond de Andrade (nosso maior poeta desse lado do oceano), não pesa mais do que a mão de uma criança.
Depois que o poeta pega o traquejo da palavra, no frever o íntimo, com sua angústia-vívere, com sua solidão-albatróz, vai se norteando por mundos e fungos. Antena da época, só para citar Rimbaud, o poeta cisma, reina, orna.
Com heterônimos (como Pessoa) ou de próprio punho e cunha, com sua poesia descalça, rueira, com sua maneira diferente de ver-(pensar) as coisas, vai vertendo salmos, mantras, blues e acontecências adjacentes.
E respeita sua tristeza que é sábia.
Com sua poesia feito metralhadora cheia de lágrimas, no confeito do sentir e escrever, o poeta mal cabe em si quando cria, porque, afinal, nesses tempos tenebrosos de muito ouro e pouco pão (neoliberalismo globalizador), ninguém é de ferro e, perdão, o bom cabrito é o que berra.
Ou, como dizem os poetas brasileirinhos, FAZ ESCURO MAS EU CANTO - Ou, ainda, o importante é que a Poesia sobreviva. Citando Manuel Bandeira: não acredito em arte que não seja libertação.
Daí que o poeta se faz - e de perto ninguém é normal, citando Caetano Veloso - ele pode se aventurar em naus catarinetas de prosas surrealistas, em naus (dos insensatos) de crônicas marginais, haikais clandestinos, porque quem sabe a Poesia, deita e rola, conhece sinais e parecenças, voa.
E destila o vinho-verbo em prosa, ficcção, ensaio, romances, porque poesia é esteio, epifania, bordel excelência, lagar, estuário, hangar de todas as honras.
Quase todos os poetas escrevem bem qualquer coisa. Meno male.
Já, nem todo Ser que só faz prosa, se aventura (com o cinzel do íntimo) em poetar versos emplumados de contentezas e filosofias que são confeitos do poema mal cabendo em si.
Amigos meus, poetas radicais (e não somos todos?), sobrevivem bem em todas as áreas, bons jornalistas, ótimos cronistas, compõem e cantam, se deixarem - ai os arautos donalistas, ótimos cronistas, compõem e cantam, se deixarem - ai os arautos dos deuses - até mesmo fazem strepe-tease ou, dando nós em pingos d´água, maroteiam sacolejantes em mambos, calipsos e twistes.
Os proseadores não ousam tanto. Escrevem muito, bem, gardênias narrativas, mas sabem que as águas dos poemas são lingotes pingando luz de algas íntimas. Isso pelo menos penso eu, pequeno poeta que tenho muito que aprender, boêmio pela própria natureza...
E se for para o bem da irrazão com curtumes, decantários ou estrias de alma, digam ao povo que Poeto. Aliás, tenho um poemeto antigo (quase haikai) que digo:
Naufrágio no saveiroPoetasE grávidas primeiroO último a sair apague o sol.


(Rascunho Um - Texto Inédito da Série: Confesso Que Bebi)
Silas Corrêa Leite

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